segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Pedaço de mim
Há um pedaço de mim carregado de opinião. Tem sempre um conselho pra dar, uma palavra pra soltar. Quase sempre contrária ou à luz do lado de lá.
Se carregam na tinta em um ponto de vista, esse meu pedaço conduz o olhar pra outro ponto, outra vista.
É um pedaço que chega pra incomodar. Pra tirar do lugar. Posiciona ao deslocar.
Bater-bola com esse pedaço é dar a todos os jogadores chances de ganhar. Se a parte faz o todo, o todo só tem valor em cada parte, em cada olhar.
No contraste, o ponteiro. De um lado ao outro, é bom ser um pedaço de quem me fez inteiro.
Pai, parabéns!!! Te amo assim, pedaço de mim!
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Doce
Amizade doce? Começa cedo. A gente percebe no olá, tudo bem?. A voz sai macia, o olho sorri junto com a boca e o rosto amanhece. Bola grande iluminada.
Ver o sol chegando sob as nuvens. Primeiro ele desponta, se anuncia, depois aquece. As amizades doces chegam assim. Basta meio dia, meio papo, meia carona pra aquecer.
Doce logo que sai do fogo, às vezes, queima. Junto com a quentura chega o sabor. Sabor ainda morno, recém chegado à mesa. Pra que deixar pra depois? Viver uma amizade é comer doce quente: não tem hora. Melhor é agora, enquanto está quentinho. A amizade que queima é aquela que te acorda. Se existe dor boa é de doce bem feito.
Há doce frio e congelado, amigo que mora no passado. Bastam micro ondas para aquecer o que está guardado. O açúcar de um amigo reside mesmo no intervalo.
Tem açúcar puro e refinado, amigo bruto e educado. É tudo doce, mesmo quando amargo.
Um doce tem farinha, ovos, açúcar, sabores variados. Cheio de ingredientes, amigo embalado. A gente nem suspeita que leva tudo e tanto. É doce levar amigo pra casa.
Outro dia, ganhei um doce. Dos mais incrementados. Não dá cárie. Gosta de fotografia. Rende os mais belos textos. E, agora, deu pra inventar parente. Doce fazendo doce. É ou não é um presente?
Para Pepita Sekito, uma amiga doce e refinada.
Foto: Ninfa Parreiras - Cupcake de Pepita Sekito
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Estradinha Qualquer
Feito Deus quis:
Esburacada.
A cada salto,
Sobressaltado
O coração pula.
Onde?
O caminho mais curto
É calmo, sem pressa
De chegar
É de terra, pasto
grama, barro
Céu, vento.
Vento bom de se tomar.
O homem passa
Fala pra dentro
- carro, aqui?
A gente passa
Fala pra fora
- Olha a vaca, ali!
Fora do caminho
Entrei por ele
Dia adentro
Minha estrada é simples.
Fácil de encontrar
Tem 4 letras e
Gosta de macaxeira
Passa, mesmo, em mim.
Foto: arquivo pessoal. Fortaleza, CE.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Um pé de quê?
Criei-me sozinha. Ao pé de uma jaqueira. Cada fruto no chão, um estrondo ao meu lado. Sempre vivi com medo. Fiz muita sombra pra me proteger.
Um dia, caiu uma jaca daquelas. Cheirava tão forte que se aproximou um menino. Doce, o cheiro o chamou e ele mal me olhou. Só olhos pra jaca e a jaca só dele.
De jaca no colo, o menino, cadê?
Quando vi, estavam aos meus pés. A jaca e ele. Vizinho e estranho, assim, perto de mim. Cheguei a ficar dura, mais presa ao chão, mas minhas ranhuras sentiram o peso do encosto do menino. Seu carinho afagou o meu medo. Até a jaca fez-se de amiga. Esparramou-se toda.
Feito luva de boxe, o menino calçou a jaca na mão. De lamber os beiços, ver o menino e sua jaca. Era quase uma jaca-menino. Tão grande.
Gosto de jaca pra mim era suspense. Aí, o menino ficou de pé. Olhou-me fixo.
- Você quer?
Ele falou comigo?! Será possível?!
- Oi. Você quer um pouco da minha jaca? – ele falou mais alto.
Lá longe, escutei uma voz.
- Obrigada. Não gosto muito de jaca...
- Já provou?
- Eu não – a voz mais perto.
- Jaca é docinha, derrete na boca feito manteiga. Prova?
- Prefiro essa aqui – a menina colheu uma parte de mim.
Sempre achei que morar perto de jaca era covardia. Minha fruta é pequena, durinha e parece com os olhos da menina.
- Huumm. Nunca comi uma dessas... Vamos trocar?
A sutileza envolveu o menino e a grandeza pegou de jeito a menina.
Meu medo, puft! Sumiu!
Olhei pro céu, de boca aberta e tronco apertado. Suspirei fundo.
Ver o amor brotar enterra até medo de sentir estrondo no chão.
Foto: arquivo pessoal - Boca Raton, EUA
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Pedra
Difícil remover
Melhor deixar quieta
Guardada
Quem perde
Ganha peso
Anda com outro
Dentro de si
Caminhar ao lado
Morar ao lado
Sentar lado a lado
De perfil, ver inteiro
Até que a pedra bate
Acerta de repente
Dura. Áspera. Enorme
Da noite pro dia, diferente
Dormir sozinho
Acordar acompanhado
Deixar de lado
Encarar: de frente
Pedra não descansa
Brinca. Estuda
Senta. Levanta
Rola pra cá, pra lá
Um dia vira jóia
Lapidada pelo amor
Só conhece
O tempo presente
Atravessa a correnteza
Bate fundo
Passa a morar
No interior de tudo
Pedra é prenda
Presa ao fio
Da memória
Brilha, eterna
No raro rio
Corre dentro da gente
Foto: arquivo pessoal
sábado, 10 de setembro de 2011
O miolo das coisas
Uma homenagem para Bartolomeu Campos de Queirós
Resenha do livro "O olho de vidro do meu avô", Ed. Moderna, 2004.
Você vê bem? Olha ao redor? Por dentro das coisas? O que enxerga? O olhar contemplativo, dos detalhes que despertam (ou, às vezes, adormecem), dizem, é mais característico dos poetas e dos loucos. Você, Bartolomeu, é um poeta. Dono de uma prosa lírica capaz de nos atravessar, nos convida no livro O olho de vidro do meu avô a ver o que somos: seres pela metade. O olho de vidro do avô se torna uma parte da dualidade humana. É a metade fria, escura, que desvenda o que não vê sob a luz da imaginação, que fica à margem, esconde, viaja, adivinha, procura a profundidade das coisas, mente e duvida. O olho que enxerga é a outra parte: a metade quente, clara, que vê a superfície das coisas. É o olho das certezas, que não suspeita e só fala a verdade. Um olho é a Lua; o outro, o Sol.
Com esse jogo metafórico e graças a um olhar próprio sob parte de sua história, suspeito que o autor assume o papel de narrador e, a cada linha, nos faz ver. Vi muito no seu texto, mais do que certamente serei capaz de mencionar aqui. O livro todo é um convite para se tentar alcançar “o miolo das coisas”:
“O pensamento atravessa as cascas e alcança o miolo das coisas. Os olhos só acariciam as superfícies. Quem toca bem dentro de nós é a imaginação.”
O autor-narrador nos mostra pouco a pouco, palavra por palavra, como sua história pode, também, ser nossa. Mistura realidade e fantasia como alguém que vê na alma, o que a “casca”, a superfície humana, não nos deixa perceber. E, assim, seu texto nos revela.
Ao mergulhar nesta prosa e deixar-se envolver, é possível que o leitor, como eu, se questione: será que, como o avô do menino, também não tenho um olho de vidro? Afinal, quantas vezes não me vi dona de um olhar “frio”, “distante”, que quer ver além do que a vista alcança?
A narrativa é construída a partir de um fato: seu avô materno só enxergava com um olho e vai até São Paulo comprar aquele que lhe moldaria o rosto, o misturaria às massas. Para esconder sua diferença, fazendo-se parecer igual, o avô quis comprar um olho de vidro. E assim o fez. Assim, me pergunto, não fazemos nós? O desejo de pertencer, de parecer igual, pode esconder, à primeira vista, nossas diferenças e idiossincrasias. Mas elas estão lá. Basta mais de um olhar.
Bartolomeu, você é um artesão da palavra. Este livro é mais um exemplo da sua capacidade de usá-las, re-significar ditados ou ditos populares, empregar a metáfora de maneira recorrente sem que nos percamos. Ao contrário, cada metáfora parece nos conduzir pelo texto de maneira a ver nele mais do que a história que é contada.
A expressão “menina dos olhos” ou ditados como “em terra de cego quem tem um olho é rei”, “cego é aquele que não quer ver”, entre tantos outros utilizados no texto, ganham duas importâncias: aproximam o texto da linguagem do dia-a-dia e, com isso, do leitor e propõem uma visão diferente de algo conhecido. Brincando com o nosso universo lingüístico, de significados, você nos provoca, mais uma vez, a ver além.
As sensações são tantas no contato com este texto autobiográfico que, somado aos livros Por parte de Pai e Vermelho Amargo, adquiro a quase certeza – já que não se tem certeza de nada – de que você não poderia fazer outra coisa na vida que não fosse Literatura. Das duas, uma ou, quem sabe, as duas: ou transformou a sua história a partir de um olhar singular ou se enriqueceu dela para nos contar.
Ler O olho de vidro do meu avô é como se sentir povoado, é como abrir uma porta para a palavra e deixá-la entrar: “Palavra povoa tudo. Corta o silêncio e, aonde chega, fica. Se a gente escreve, pode apagar, mas, se falamos, fica impossível recolher as palavras. Palavra é como borboleta, bate as asas e voa. (...). Para voar é preciso asas leves e muito vazio pela frente. Para falar é preciso ter o que dizer.”
Bartolomeu, obrigada por ter o que dizer!
Agradeço a Estação das Letras, em especial a Ninfa Parreiras, a Suzana Vargas e a Tatiana Oliveira pelo convite para participar da homenagem ao autor que tanto leio e admiro, hoje, na Bienal do Livro, no Espaço do FNDE / MEC.
Aos meus amigos de oficina que também participaram desta homenagem ao Bartolomeu com seus textos, poesia e haicais: Pepita Sekito, Carol Estrella e Jurandi Siqueira.
Ao Arthur, a Helena, a Gilda, ao Paulo Henrique, ao João Pedro, ao Guilherme e a Tainise pelo presente da presença.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Entre linhas
Dá morada
À palavra
Ao outro
Entre linhas
Respirações
Pensamentos
Revela-se
Pontua
Corta
Mostra
Questiona
Abre caminho
Pra dúvida
Companheira
Da escrita
À mestre, Ninfa Parreiras, com carinho pelo dia de hoje!
Imagem: do livro "Um teto de céu", de Ninfa Parreiras,
ilustrado por André Neves. Editora DCL.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Fé
Há quem veja
No coração
A oração
Há quem sinta
O rosto corar
Ao orar
Há quem atravesse
Uma palavra
Sem olhar
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Passarinho
Cria passarinho
Cada haste faz seguro
O meu ninho
Voar entre conhecidas paisagens
Cercada de alpiste de coragem
Minha gaiola é meu canto
Abrigo quente, feito manto
Pouso leve, voluntário
Quando voo, vou em bando
Nasci pra cantar em parceria
Permanecer em harmonia
Bato asas com os pés no chão
Meu voo é feito de coração
Nas grades que criei
Sou pássaro livre
Livre, como só eu sei
O lápis
Vive muito quando é apenas decoração. Se usado, aponta os caminhos e some rápido. Quando é de estimação, vira cotoco e some na mão.
Apagar não é com ele. Há quem grude com este fim, mas ele sempre diz:
- Eu sou o começo, o meio e a inspiração. Não apago nada não!
O papel onde deita a sua fantasia pode ser liso, com pauta, sem nada. Ser solto na vida ou vir acompanhado. Melhor se for branco pra deixá-lo correr pra todo lado.
Andaram dizendo que a vida dele está por um triz. As letras soltas já não dão mais a mão. Das teclas de onde agora as palavras nascem é cada dedo por si e nenhum pelo outro. Comandados, batem forte, tal qual marcha-soldado:
1, 2 vão por ali
3, 4 pra todo lado
5, 6 um de cada vez
7, 8 escrevam dezoito
9 e 10 acabaram-se os papéis.
O apontador sai de cena de fininho, os dedos já não se abraçam. É raro vê-los dançando juntos, coladinhos.
Ele? Resistente, teima em se fazer presente. Feito de madeira, grafite e coração, um bom lápis pulsa, preenchendo a imensidão.
A maleta do meu pai
Uma maleta engraçada. Em seu conteúdo muito menos que nada.
O dedo curioso abria a maleta do pai. A vista só alcançava papel branco e tinta preta.
- Que coisa mais sem graça... – a menina declarava.
Quando o pai chegava era a maleta que primeiro entrava. Preta, fechos de ouro, reluzia como o sapato de couro.
Na casa moravam a menina, a mãe, o pai e a maleta.
- Meus pais têm duas filhas – às vezes, ela dizia.
Cada uma tinha um quarto. Uma cama.
A maleta dormia com os livros. Ela com as bonecas. A maleta só trabalhava. Ela ia a escola e brincava.
O pai passava horas no quarto da maleta. Aberta, ela despejava tanto papel de tinta preta, que a menina achava que, um dia, seu pai se afogaria num mundo sem cor.
- Já sei!
A menina correu para o quarto e lá ficou. Usou tintas, lápis, retalhos e criou... o seu maleto! Verde por fora, colorido por dentro. Com alça macia e um mundo de coisas: álbum de figurinhas, sol vermelho e preto, montanha de neve colorida, mar pra todo lado, anzol e muita, muita linha. No canto, dentro do seu maleto, ela acomodou o estojo novo, os dois livros preferidos e um tanto de folhas branquinhas, lisinhas, para o pouso das mãos, enquanto a vista passearia.
No outro dia, ao lado da maleta estava o seu maleto. Carregava um bilhete:
Fiz mais um filho pra você! O Seu Maleto é todinho seu! Beijos, Bebel
Obs.: se quiser, eu divido meu quarto com ele!
Foto: capa do livro "a maleta do meu pai",
de Orhan Pamuk - Ed. Companhia das Letras
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Borboleta Branca
Feito tijolo, forte
Sem tinta. Sem corte.
Na maré dos olhos
Pousa a borboleta branca
Passeia pela emoção
Ali, diante dela
Não era o amargo do vermelho
Era o doce do branco
Folha vazia
Nas asas da borboleta
Deita a fantasia
O tempo ancorado
Em festa, o antes voa
Em rito, o agora fala
Em espera, o depois lá fora
Encontro marcado
Por presentes
Presenças de presente
Na alma da borboleta
No verso do poeta
Na graça de uma gente
A borboleta some
A homenagem termina
A menina caminha
Acomoda na mão
Uma bagagem nova
Vidro cheio de gratidão
Ilustração: capa do livro "Vermelho Amargo"
Ao homenageado da FLIST 2011, Bartolomeu Campos de Queirós,
e a todos os presentes - inclusive a Borboleta Branca! - que lotaram, no dia 14/05, o Parque das Ruínas de emoção.
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Vermelho Amargo
sexta-feira, 13 de maio de 2011
A árvore
Mergulhar na história, sair dela encharcada. A menina deu este pulo ao ler “A árvore”, um livro que chegou de repente, sem avisar e revelou um pedaço dela. Do chão árido do nordeste, da falta de tudo que cerca uma gente, ela encontrou uma senhora. A sua senhora.
Como em uma viagem, ela viu a origem da força e da generosidade que sempre a cercou. Viu as suas raízes.
Junto com os meninos Tidinho e Zé de Bruno sentiu-se guardiã da árvore que durante tanto tempo foi sua cabana. A menina era broto da árvore frondosa, de tronco grosso, reto e seguro.
A cada linha, uma gratidão sem medida invadia a menina. O texto misturado à vida. A vida se encontrando no texto. À sombra protetora das palavras, ela teve um encontro com a avó. E na sala de espera da saudade, a menina fez do livro sua morada.
E escreveu pequenininho, no canto do papel:
Somos todos frutos de uma árvore.
Toda criança é um broto que alimenta de esperança a humanidade.
Ilustração: Marina D'Aiuto
Para a árvore que trago junto ao peito e que ainda faz sombra...
À autora Yacy Saboya pelo encontro mágico e único...
À ilustradora Marina D'Aiuto pela força de suas ilustrações.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
A maior mão do mundo
Pequena e audaz
Muito mais que capaz
Um menino quando quer
Faz da mão uma colher
Alimenta a flor
Sozinha, se esvaía
Feito líquido
Se der
ra
ma
Derrotada
Bem próxima à grama
Pelo líquido
vanta
le
Se
Já bem perto do céu
Quase alcança
Mão. Concha. Colher.
Chame como quiser
Brincadeira de gente grande
De um menino gigante
Provar o sabor da vontade
Fazer do sonho realidade
“A maior flor do mundo”’
É do José Saramago
“A maior mão do mundo”
É de um menino mago
Ilustração: João Caetano
Pela negação a história se impõe, cresce, toca...
Pela provocação outras histórias serão contadas...
Em Video, uma outra linda homenagem
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Vento
Houve uma vez em que Vento ventava. Mas, quando ele chegava, muita gente não gostava. Dado a mexer, movimentar, levantar pó, pensaram se não era melhor Vento ventar só.
Em país de brisa fácil, o desejo venta rápido. Amanheceu, então, o dia em que o Vento desapareceu.
Até a chuva se escondeu. Chuva sem Vento cai tão sem jeito, sem dança. Direto ao chão, sem qualquer mudança.
Parecia de papel, retrato emoldurado, um mundo de vento parado.
Enquanto todos de estátua fingiam brincar, uma criança resolveu o Vento chamar.
Puxou seu ar, soprou forte, agitou o corpo e... fez-se Vento.
Renovado, cheio de brisa e sereno, Vento voltou a deixar tudo mais ameno. Com sua graça improvisada de fazer alga z z z z zarra, Vento, agora, ventava.
A Onda
- Será que ela está aborrecida?
No segundo estrondo, a certeza. O mar sente igual gente.
Triste, chora longas ondas. Marcas profundas no chão.
Alegre, corre pra lá e pra cá, depressa. Brincando de bolinha de sabão.
Em fúria, arrasa e arrasta tudo. Gigante a amedrontar.
Há dias em que está calminha. Vira marola tranquila e nos convida a entrar.
A onda é o jeito de o mar falar.
Quando bate forte na pedra é um aviso de que o mar não está pra peixe. Melhor não mergulhar.
Gelada, anestesia a mente e, por um instante, nos misturamos ao mar. Sentidos entregues à vontade de nadar.
A onda não tira onda com a gente. É clara, faz espuma para explicar. Para bom entendedor, meia onda basta.
Dentro do mar, furo a onda, subo em sua crista, me escondo para esperar ela passar.
A onda é como eu. Adora brincar.
Eu sou como a onda. Também sei chorar.
Foto: Edmar Facó
À minha mãe, pelas revisões e apontamentos sempre tão oportunos.
Ao meu pai, pela inspiração.
Dona Sofia
Recebi uma carta
De Dona Sofia
Trazia carinho
E poesia
Palavra de presente
Cura dor
Cura doente
Traz amor
É surpreendente
Abracadabra
Mexe e abra
Dentro de si
Há mais palavra
Puxa daqui
Puxa dali
Dona Sofia
Mora lá, cá
Em todo lugar
Palavra é mágica
Formato de gente
Corre o mundo
Liberta a mente
Não precisa novo nome
Espalhar companhia
Correspondência
Prosa e Poesia
Noite e dia
Para Dona Sofia e seu criador, o autor e ilustrador André Neves.
Por um mundo cheio de Donas Sofias!
Por um mundo cheio de Donas Sofias!
quarta-feira, 16 de março de 2011
Seus sete anos
Oh! que saudades que tenho
Do princípio de tudo
Do bebê a embalar
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquela noite brotaram
À sombra de mãos unidas
Debaixo de olhos encharcados!
Como são belos os seus dias
O despertar da sua existência!
Respira seu ar, cria seu mundo
Nos contagia
Preenche a sua
A nossa vida
O mar é – agitado dia-a-dia
O céu é – sorriso livre de fotografia
O mundo – a esperança crescida
A vida – um hino d’amor a você, querida!
Para Helena, com todo o meu amor!
Adaptação livre inspirada no poema "Meus oito anos", de Casimiro de Abreu.
Para Helena, com todo o meu amor!
Adaptação livre inspirada no poema "Meus oito anos", de Casimiro de Abreu.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
A maioridade
Hoje, completo 18 anos. Se você soubesse quem sou, não diria “ainda é um broto!”. Posso não aparentar, mas sou velha. Comecei cedo o que muitos deixam pra mais tarde. Dei um passo firme, quando muitos ainda nem sabem engatinhar.
Arroubo? Coragem? Loucura? No fundo, o que me moveu foi outra coisa. Amor. Foi ele que me tirou do lugar e me fez andar. Cresci rápido. Com ele ao meu lado. Ele bateu à porta de repente. Numa virada de ano, na praia, entrou sem pedir. Nasci, poucos dias depois, num bar da Tijuca. Pé Quente. Nem imaginava que chegaria até aqui em tão boa forma.
Cresci alimentada pelas descobertas, pelas afinidades e pelas diferenças. Como toda criança, fiz muita birra e falei sem pensar. Na adolescência, tive crises, dúvidas, inseguranças. Passei por todas as fases cultivando aquilo que me despertou quando nasci. Não foi uma fórmula. Foi um jeito de viver. De topar e levantar. De brigar e fazer as pazes. De errar e acertar. De amar e ser amada.
Nova aos olhos de alguns e velha pelo olhar da minha estrada, me orgulho de minhas conquistas. Tornei-me morada, virei gente grande, sai do estágio pra profissão, viajei bastante pra quem tem 18 anos. Já permiti até guinadas! Motivei mudanças. Tudo, porque existo. Se eu não estivesse aqui, firme e forte, nenhum novo caminho seria possível. Viável. Eu fui a via. Eu sou o alicerce. A construção. O meu nome?
Na vida somos representados pelos nossos feitos. O meu, modéstia à parte, é lindo, alegre, cheio de imaginação e muita energia.
Pelo que sou, pelo que represento, pelos meus 18 anos, mereço PARABÉNS! Se no início eu não sabia onde ia dar, hoje sei aonde quero chegar. Ou melhor, permanecer.
Para o Amor da minha vida, Arthur José Lavatori Corrêa.
Pela nossa relação de 18 anos!
Por aquela que melhor nos representa, a nossa Helena!
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Ver o escuro
“O pensamento atravessa as cascas e alcança o miolo das coisas.
Os olhos só acariciam as superfícies.
Quem toca bem dentro de nós é a imaginação”
Bartolomeu Campos de Queirós
Era uma vez uma professora que tinha uma chuva de idéias e dizia carregar uma mala de broncas – ainda que a turma não visse a tal mala.
Ela também tinha uma mania contagiosa. Sempre repetia para os seus alunos:
- Quando alguém fala, a gente faz o quê? Volta o pensamento, o coração, o corpo todo para escutar.
Para a professora, o corpo falava, escutava e via. Ela enxergava o miolo das coisas, além do que as cascas são capazes de revelar.
Pelas alamedas da escola, o que se ouvia era claro:
- A turma dela não pára quieta!
- Que turma espoleta!
Alguns até diziam que eles estavam atrasados.
Nem todos possuíam os super poderes da professora. Ela sabia ver o escuro. Olhava mais fundo, abaixo da superfície. Gostava de mergulhar.
Ela conseguia ver o que, às vezes, se tem dificuldade de enxergar: sua turma era feita de... CRIANÇAS.
Meninos e meninas que gostavam de brincar. Acima da média nesta matéria.
O Sr. Atraso era ultrapassado pela Curiosidade Sem Fim, pelo Improviso de Última Hora e pela Dona Criatividade, que não largava aquela garotada.
A professora, a cada dia, se reinventava para tornar divertidos os conteúdos que queria passar.
Brincando, ela ensinou a turma a ler e a escrever.
Brincando, ela convidou pais e avós para as atividades de sala de aula.
Brincando, ela transmitiu valores para a sua turminha. Ensinou-os a conviver – a viver com outros. Tarefa de casa para os pais também.
Ao permitir que o Prazer entrasse na sala de aula, sem perceber, ela deu uma lição que marcará a história destes meninos e meninas. Quando crescerem continuará morando dentro deles a criança que um dia foram. E uma vida com uma criança dentro de si é ou não é mais alegre? Mais bonita?
Para a Prof. Marcília Nascimento das Neves e
para todos os professores que alcançam o "miolo das coisas"!
Ilustração: Silvana Estrela
Um detalhe:
Existe uma expressão quando se é adulto e se procura extrair idéias de um grupo que é: “vamos pensar fora da caixa”. Às vezes, passamos a vida moldando nossos filhos a pensar dentro da caixa, para depois eles passarem a outra parte tentando sair dela. Preservar a infância é deixar que as crianças sejam crianças, pensem fora da caixa. Uma semente será plantada para que, quando adultos, continue morando neles a criança que um dia foram.
A chave
Até que um dia, sopraram para ela um novo caminho. Ela seguiu. Andou entre as letras, pela infância, fez novos amigos. Ora com os pés no chão, ora com a cabeça nas nuvens. Passou por uma, duas turmas do novo caminho. O tempo voou. Quando o caminho é bom, a estrada parece curta e chegar ao final nem sempre é sinal de vitória.
Ela sentia saudades daquela estrada. Gostava de andar com quem, um dia, cruzou o seu caminho. Foi como dar uma topada numa pedra. De repente, descobriu: havia sido aberta naquela estrada, tal qual um armário fechado. Com uma chave abriram seu coração, suas memórias, seu talento. Ela foi encontrada lá dentro, meio perdida, num caminho sem direção.
O novo caminho parecia chegar ao final. Mas a menina era teimosa, achava que voltar era, de alguma forma, ir pra frente. Como se o mesmo caminho pudesse sempre ser um novo caminho. Poderia recomeçar? Poderia ser eterna repetente? Enquanto o caminho ressoasse dentro dela, lembrando-a de quem ela era, do que gostava de fazer, seria por esta estrada que continuaria a caminhar. Afinal, quem disse que todo caminho tem que dar em algum lugar? A menina só queria andar.
À minha irmã e amiga, Patrícia Lavatori Corrêa, que "soprou" o novo caminho.
À chave que me “abriu”, Prof. Ninfa Parreiras. Até o próximo ano!
À minha irmã e amiga, Patrícia Lavatori Corrêa, que "soprou" o novo caminho.
À chave que me “abriu”, Prof. Ninfa Parreiras. Até o próximo ano!
O auto-retrato
- Um retrato meu, feito por mim.
Não era a falta de jeito que invadia Álamo. Ele adorava desenhar, pintar, criar. Retratava o que via com certa facilidade. O grande dilema era ser ele a sua obra de arte!
- Um retrato meu: terá cabelos ao vento? Olhos castanhos? Pele morena e olhar transparente? Deverá ser colorido ou em preto e branco? Talvez, metade cor, metade sombra, como sou. Mas será este o meu retrato? Estarei ali, num único rosto? No fundo, na raiz de tudo, não sou o retrato do meu mundo.
Sem mais pensar, Álamo começou a brotar. Usou cola, tesoura, papéis de várias cores. Sobre a folha branca fez alta, forte, com raízes e muitos ramos, uma árvore. E no canto do papel, bem pequeno, escreveu: “Sou fruto e flor de onde vim. Um rosto é muito pouco pra mim”.
À família Facó, pela força da nossa árvore!
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