Uma homenagem para Bartolomeu Campos de Queirós
Resenha do livro "O olho de vidro do meu avô", Ed. Moderna, 2004.
Você vê bem? Olha ao redor? Por dentro das coisas? O que enxerga? O olhar contemplativo, dos detalhes que despertam (ou, às vezes, adormecem), dizem, é mais característico dos poetas e dos loucos. Você, Bartolomeu, é um poeta. Dono de uma prosa lírica capaz de nos atravessar, nos convida no livro O olho de vidro do meu avô a ver o que somos: seres pela metade. O olho de vidro do avô se torna uma parte da dualidade humana. É a metade fria, escura, que desvenda o que não vê sob a luz da imaginação, que fica à margem, esconde, viaja, adivinha, procura a profundidade das coisas, mente e duvida. O olho que enxerga é a outra parte: a metade quente, clara, que vê a superfície das coisas. É o olho das certezas, que não suspeita e só fala a verdade. Um olho é a Lua; o outro, o Sol.
Com esse jogo metafórico e graças a um olhar próprio sob parte de sua história, suspeito que o autor assume o papel de narrador e, a cada linha, nos faz ver. Vi muito no seu texto, mais do que certamente serei capaz de mencionar aqui. O livro todo é um convite para se tentar alcançar “o miolo das coisas”:
“O pensamento atravessa as cascas e alcança o miolo das coisas. Os olhos só acariciam as superfícies. Quem toca bem dentro de nós é a imaginação.”
O autor-narrador nos mostra pouco a pouco, palavra por palavra, como sua história pode, também, ser nossa. Mistura realidade e fantasia como alguém que vê na alma, o que a “casca”, a superfície humana, não nos deixa perceber. E, assim, seu texto nos revela.
Ao mergulhar nesta prosa e deixar-se envolver, é possível que o leitor, como eu, se questione: será que, como o avô do menino, também não tenho um olho de vidro? Afinal, quantas vezes não me vi dona de um olhar “frio”, “distante”, que quer ver além do que a vista alcança?
A narrativa é construída a partir de um fato: seu avô materno só enxergava com um olho e vai até São Paulo comprar aquele que lhe moldaria o rosto, o misturaria às massas. Para esconder sua diferença, fazendo-se parecer igual, o avô quis comprar um olho de vidro. E assim o fez. Assim, me pergunto, não fazemos nós? O desejo de pertencer, de parecer igual, pode esconder, à primeira vista, nossas diferenças e idiossincrasias. Mas elas estão lá. Basta mais de um olhar.
Bartolomeu, você é um artesão da palavra. Este livro é mais um exemplo da sua capacidade de usá-las, re-significar ditados ou ditos populares, empregar a metáfora de maneira recorrente sem que nos percamos. Ao contrário, cada metáfora parece nos conduzir pelo texto de maneira a ver nele mais do que a história que é contada.
A expressão “menina dos olhos” ou ditados como “em terra de cego quem tem um olho é rei”, “cego é aquele que não quer ver”, entre tantos outros utilizados no texto, ganham duas importâncias: aproximam o texto da linguagem do dia-a-dia e, com isso, do leitor e propõem uma visão diferente de algo conhecido. Brincando com o nosso universo lingüístico, de significados, você nos provoca, mais uma vez, a ver além.
As sensações são tantas no contato com este texto autobiográfico que, somado aos livros Por parte de Pai e Vermelho Amargo, adquiro a quase certeza – já que não se tem certeza de nada – de que você não poderia fazer outra coisa na vida que não fosse Literatura. Das duas, uma ou, quem sabe, as duas: ou transformou a sua história a partir de um olhar singular ou se enriqueceu dela para nos contar.
Ler O olho de vidro do meu avô é como se sentir povoado, é como abrir uma porta para a palavra e deixá-la entrar: “Palavra povoa tudo. Corta o silêncio e, aonde chega, fica. Se a gente escreve, pode apagar, mas, se falamos, fica impossível recolher as palavras. Palavra é como borboleta, bate as asas e voa. (...). Para voar é preciso asas leves e muito vazio pela frente. Para falar é preciso ter o que dizer.”
Bartolomeu, obrigada por ter o que dizer!
Agradeço a Estação das Letras, em especial a Ninfa Parreiras, a Suzana Vargas e a Tatiana Oliveira pelo convite para participar da homenagem ao autor que tanto leio e admiro, hoje, na Bienal do Livro, no Espaço do FNDE / MEC.
Aos meus amigos de oficina que também participaram desta homenagem ao Bartolomeu com seus textos, poesia e haicais: Pepita Sekito, Carol Estrella e Jurandi Siqueira.
Ao Arthur, a Helena, a Gilda, ao Paulo Henrique, ao João Pedro, ao Guilherme e a Tainise pelo presente da presença.
RACHEL,
ResponderExcluirLindo texto!
Você se debruçou sobre o livro
"O OLHO DE VIDRO DO MEU AVÔ" e
com olhar atento e percepção
aguçada ressaltou, de um modo
muito especial e encantador,
os pontos marcantes da prosa
poética de Bartolomeu Campos de
Queirós.Além disso, compartilhou
com seus leitores ( e ouvintes)
suas emoções, sensações e suas
descobertas.Seu texto falou
ao meu coração.
Parabéns!
bjs
Cristina Sá
http://cristinasaliteraturainfantilejuvenil.
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Você é ótima!!!!!
ResponderExcluirAdoramos você!!!
bjo grande,
Gilda e Cia.
Parabéns pela apresentação na Bienal, parabéns por tudo. Só precisa começar a publicar para que muito mais gente possa conhecer esse seu universo maravilhoso.
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