quarta-feira, 29 de junho de 2011

A maleta do meu pai



Uma maleta engraçada. Em seu conteúdo muito menos que nada.
O dedo curioso abria a maleta do pai. A vista só alcançava papel branco e tinta preta.
- Que coisa mais sem graça... – a menina declarava.
Quando o pai chegava era a maleta que primeiro entrava. Preta, fechos de ouro, reluzia como o sapato de couro.
Na casa moravam a menina, a mãe, o pai e a maleta.
- Meus pais têm duas filhas – às vezes, ela dizia.
Cada uma tinha um quarto. Uma cama.
A maleta dormia com os livros. Ela com as bonecas. A maleta só trabalhava. Ela ia a escola e brincava.
O pai passava horas no quarto da maleta. Aberta, ela despejava tanto papel de tinta preta, que a menina achava que, um dia, seu pai se afogaria num mundo sem cor.
- Já sei!
A menina correu para o quarto e lá ficou. Usou tintas, lápis, retalhos e criou... o seu maleto! Verde por fora, colorido por dentro. Com alça macia e um mundo de coisas: álbum de figurinhas, sol vermelho e preto, montanha de neve colorida, mar pra todo lado, anzol e muita, muita linha. No canto, dentro do seu maleto, ela acomodou o estojo novo, os dois livros preferidos e um tanto de folhas branquinhas, lisinhas, para o pouso das mãos, enquanto a vista passearia.
No outro dia, ao lado da maleta estava o seu maleto. Carregava um bilhete:
Fiz mais um filho pra você! O Seu Maleto é todinho seu! Beijos, Bebel
Obs.: se quiser, eu divido meu quarto com ele!


Foto: capa do livro "a maleta do meu pai",
de Orhan Pamuk  - Ed. Companhia das Letras

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