Os
Colegas chegaram pra mim 40 anos depois do primeiro samba. Chegaram depois da
Raquel, da Rebeca, da Carolina, de tantos parentes. Os conheci primeiro no Dos
vinte e um e logo no primeiro capítulo a turma me cativou. O acaso reuniu
os colegas. E me pergunto: não terá sido o acaso que me trouxe até aqui? Mas
não basta o acaso pra gente perceber que esbarrou numa turma que tudo a ver com
a gente. É preciso mais. E aí começa a minha ligação com esse livro. Nele
encontrei outros moradores da Casa e percebi que o jeito que a autora vê o
mundo é um. Diferentes, apenas, são as histórias que conta. Ao surpreender com
coerência, com um encontro de ideias, nos tornamos parceiros, colegas da
autora. Numa relação mágica, às vezes com direito a carta, sempre conduzida
pela palavra escrita. Hoje, gravada em mim.
Dos cinco amigos e suas histórias, a
que ocupa um canto especial no meu sentimento é dos Tatuzinhos Garcia.
Basta meia dúzia. Meia dúzia de seres
pra cavar um buraco e abrir caminho. Às vezes, basta até um, desses bem
ousados, que cismam em botar ideal de pé ou idéia fajuta abaixo.
Desejar, desde cedo, ser construtor.
Pode ser fazendo parede e telhado de livro pra morar ou descobrir, como os
Tatuzinhos, que a vocação está em cavar. Ambos são construtores. Abrem espaço e
deixam rastro.
Meia dúzia ou menos e mais uma ideia.
Dessas bem fortes, que não desmancham no ar, não viram fumaça de pensamento. E
assim, de pensamento tão resistente, se constrói: amizade, túnel e livro.
Levanta-se uma Casa de possibilidades. Inventa-se um enredo bem bolado pra sair
do lugar. Pra deslocar-se e deslocar o outro. Dar novo prisma. Sugerir novo
olhar pra botar o mundo em movimento.
Construir por construir não tem a
menor graça. Desafiador mesmo é construir sem danificar, tal qual na prova dos
Tatuzinhos: "Construir um túnel
subterrâneo no quintal da escola, ligando a mangueira à jaqueira, sem danificar
as raízes de ambas as árvores".
Na prova, como na vida, os Tatuzinhos
fizeram isso sem danificar nadinha e, o melhor, juntos. Tinham "gosto" por trabalhar em
equipe. Gosto. De fato, provar de algo feito em equipe tem um sabor diferente.
O gosto fica ainda mais apurado quando o fazer junto vem acompanhado do fazer
por alguém. Sem conhecer a cara de um ou focinho do outro, entrar de cabeça pra
ajudar. Por puro gosto. Fico feliz de ter ao meu redor mais de meia dúzia de
tatus. Gente que sai cavando pelo gosto de fazer junto e pelos outros. Só por
gosto.
Eles meteram as caras no túnel. No
escuro. No começo, por um amigo. Depois, por dois desconhecidos. No fim, por
todo mundo.
Quando chegaram à prisão pra salvar
Virinha e Latinha, exaustos, suados e sujos, os cachorros todos, inclusive seus
diletos desconhecidos, pensaram logo: "Ih
que caras esquisitos! Boa coisa eles não devem ser."
Se nos dias de hoje, ainda parece
esquisito se arriscar pra salvar os outros, imagina durante a ditadura militar,
quando o livro foi publicado? Êta povo cabreiro. Somos assim: desconfiados e nossa
vista só alcança a aparência. Os tatuzinhos tiveram que colocar a boca no mundo
pra cavar significado e acordar a cachorrada, que, nessa hora, percebeu uma
chance de conquistar a liberdade. Os construtores acabaram presos, mas não
intimidados. Horas depois abriram novo buraco. Juntos.
Os Colegas me fizeram refletir sobre
nosso papel no mundo, na nossa interação com o próximo até o distante. Abriram
buraco fundo.
Precisamos de muito? Bolar um ou
muitos planos. Uma hora dá errado, na outra também, em alguma, dá certo. É só
fazer como o Cara-de-pau: “(...) mas se
eles disserem não, eu insisto, resolveu lá dentro da cabeça dele". E
me parece isso: resolver na cabeça e não haverá noite, vento forte, tempestade
ou solidão que nos faça esmorecer em construir um mundo mais justo, mais
solidário, mais repleto de colegas.
Aos 40 anos de "Os Colegas", de Lygia Bojunga.
À porta que abriram pra mim em 2012.
Aos colegas da Paixão de Ler e de FLUPP:
Ninfa Parreiras, Lucilia Soares, Edna Bueno, José Prado,
Ana Cristina Melo e Maria Izabel Sampaio.
Imagens:
Capa do livro "Os Colegas". Ilustração de Gian Calvi.
Desenhos de Helena Facó Soares Lavatori Corrêa.
Rachel,simplesmente 20,nota 20(10 pelo seu texto e 10 pelos desenhos da Heleninha)!!! Bjs. Edmar.
ResponderExcluirValeu, pai!! Leitor fiel e amado!! A neta agradece tb!
ResponderExcluirContinue pela esquina em 2013!!
Beijos,
Rachel