quarta-feira, 11 de abril de 2012

Adormecida



Era de um verde que acolhia. Uma vez na cidade que dormia. As casas plantadas. Brotavam da mata, em zigue-zague, cortando as colinas.

Quando o menino passou por ela, na cesta de um balão, viu tudo inclinado. Coçou os olhos, uma, duas vezes. Era uma cidade ou pontos perdidos no chão? Ouvia só a voz do vento. A vista contou casas, uma igreja, uma ponte e um casarão. E o movimento?

O seu passeio saiu de Juiz de Dentro em direção à Mata. Esperava ver o verde, as colinas e seus moradores-bichos. Queria encostar no teto do mundo, balançar, ver o fogo encher de cores o céu e ser ele o comandante da viagem. Numa aventura prevista, com o moço dono do balão e a mãe, ele deu de cara com a cidade.

- Moço, moço, olha lá!!

- Lá onde, menino?

- Lá embaixo! Olha só! Mãe, você está vendo?

- Vendo o quê, meu filho?

E dá a coçar os olhos e a suspeitar de si mesmo. Ele apontava aflito.

- Mãe, a igreja é linda! Tem até duas torres, dois sinos. E aquele casarão, moço, cheio de vãos, sem portas, um convite pra entrar! Pára, pára o balão! Eu quero saltar!

- Lucas, é impossível! Com o tanto de morro que tem aqui, se a gente desce, não sobe nunca mais.

Nesse instante, ele cogitou morar ali mesmo, nas casas brancas de telhas vermelhas. Podia ser naquela pequenina, antes da ponte.

- Mãe, você não disse que seria uma aventura? Pois então. A aventura está lá.

- Filho, não há nada lá.

- Há sim!! Não vejo ninguém, mas sinto cheiro de gente! Não ouço nada, mas sinto o som do mundo!

Foi falar isso e Lucas viu um menino atravessando a ponte. Um único menino, pé descalço e calça curta. Depois, outro, saia da casa vizinha, e mais uns tantos vindo de todas as partes. Corriam em direção à Igreja e ele previa o sino.

Lucas sorria. A mãe olhava de canto de olho pro moço do balão, que estava preocupado em manter tudo em ordem. Balão no céu, voando em segurança, no ritmo certo. E olhava pra Lucas. Feliz.

- Filho, eu vi!! É mesmo, que igreja linda! Será que tem missa hoje?

- Eu não disse! Olha quanta criança correndo, mãe! Deve ser festa junina ou quermesse, sei lá. A alegria é tanta, que não pode ser só pra ouvir o padre falar.

- De repente, é pra ver alguém dessa cidade, cravada nas colinas. Quem mora aqui tem muita sorte!

- Mãe, não parece uma cidade adormecida? Se a gente descer, pode acordar ela pro moço do balão.

- Filho, cada um vê o que pode, enxerga o que quer. E dor, às vezes, é melhor deixar dormindo.

E os dois viram um homem acenando pra eles. Do lado de lá.

O balão fez sombra ao passar e seguiu viagem.


Ilustração: Nelson Cruz, livro "Dirceu e Marília"
Catálogo da Cosac Naify
Coleção Histórias para contar História