Criei-me sozinha. Ao pé de uma jaqueira. Cada fruto no chão, um estrondo ao meu lado. Sempre vivi com medo. Fiz muita sombra pra me proteger.
Um dia, caiu uma jaca daquelas. Cheirava tão forte que se aproximou um menino. Doce, o cheiro o chamou e ele mal me olhou. Só olhos pra jaca e a jaca só dele.
De jaca no colo, o menino, cadê?
Quando vi, estavam aos meus pés. A jaca e ele. Vizinho e estranho, assim, perto de mim. Cheguei a ficar dura, mais presa ao chão, mas minhas ranhuras sentiram o peso do encosto do menino. Seu carinho afagou o meu medo. Até a jaca fez-se de amiga. Esparramou-se toda.
Feito luva de boxe, o menino calçou a jaca na mão. De lamber os beiços, ver o menino e sua jaca. Era quase uma jaca-menino. Tão grande.
Gosto de jaca pra mim era suspense. Aí, o menino ficou de pé. Olhou-me fixo.
- Você quer?
Ele falou comigo?! Será possível?!
- Oi. Você quer um pouco da minha jaca? – ele falou mais alto.
Lá longe, escutei uma voz.
- Obrigada. Não gosto muito de jaca...
- Já provou?
- Eu não – a voz mais perto.
- Jaca é docinha, derrete na boca feito manteiga. Prova?
- Prefiro essa aqui – a menina colheu uma parte de mim.
Sempre achei que morar perto de jaca era covardia. Minha fruta é pequena, durinha e parece com os olhos da menina.
- Huumm. Nunca comi uma dessas... Vamos trocar?
A sutileza envolveu o menino e a grandeza pegou de jeito a menina.
Meu medo, puft! Sumiu!
Olhei pro céu, de boca aberta e tronco apertado. Suspirei fundo.
Ver o amor brotar enterra até medo de sentir estrondo no chão.
Foto: arquivo pessoal - Boca Raton, EUA